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Dra. Vanessa Muradian

Não quero que meu cão sofra (parte 2)


Continuando o assunto sobre o sofrimento dos pacientes em tratamento oncológico (para ler a primeira parte clique aqui) vou falar agora de algo muitas vezes não abordado pelo veterinário oncologista, mas de extrema importância e que pode, inclusive, comprometer o resultado do tratamento: o sofrimento, não do paciente em si, mas de sua família e de todos os que convivem com ele.


Se a família já teve experiências anteriores, de doença grave ou tratamento difícil, seja câncer ou não, com outro animalzinho ou com parente próximo ou conhecido, pode trazer consigo uma carga emocional muito grande, um medo de "passar por tudo de novo e ter o mesmo desfecho", e isso pode ser rapidamente transferido para os cuidados com este paciente.


A maioria de nós, seres humanos, temos o hábito de sofrer por antecipação ao ver nosso amigo de quatro patas com diagnóstico de câncer, ou pelo menos com um tumor diagnosticado como maligno e que pode (ou não) virar um câncer, imaginando tudo o que pode acontecer de ruim com ele. Entretanto, o nosso sofrimento precisa ser separado do sofrimento do paciente (ou pelo menos devemos tentar fazer isso). Sei que não é uma tarefa fácil pois, para muitos de nós, ver nosso pet passando por algum tipo de sofrimento dói mais na gente do que neles. De qualquer forma, a decisão sobre o melhor tratamento deve ser baseada nas melhores condições para o paciente em primeiro lugar.




Mas como isso é possível? Como posso ver meu pequeno peludo sofrendo, se sentindo mal, com risco inclusive de morrer (Deus me livre, não quero nem pensar nessa possibilidade), e não sofrer por ele?


Com certa frequência, costumo presenciar grandes sofrimentos nos membros da família, responsáveis por aquele cão ou gato, algumas vezes superiores (e muito) ao que o próprio animalzinho está passando. Nesses momentos meu ponto de vista é sinalizar à família e dizer claramente: "será que o seu sofrimento não está sendo maior que o dele?". E a resposta que muitos me dão "com certeza, Doutora"


O que costumo dizer às famílias é: aproveite a benção da ignorância do seu pet. Seu cão não sabe que está com câncer ou que tem um tumor maligno, aliás ele nem sabe o que isso significa. Enquanto nós nos descabelamos, sofrendo por antecipação de tudo o que pode ou não acontecer com ele, com medo de todo o possível sofrimento que ele pode ou não passar, ele nem está sabendo o que está acontecendo, pode ter apenas mais alguns dias de vida, mas entra na sala abanando o rabo, querendo lamber (ou nos pacientes mais mal humorados, morder) e não está nem aí para o que nós achamos que vai acontecer com ele. E pra mim isso é um dos pontos de maior importância, pois há famílias que decidem pela eutanásia quando o maior interessado (o paciente) ainda demonstra sinais de que está vivendo muito bem obrigado, apesar do futuro tão incerto e até possivelmente curto.


Mas Doutora, quando saber o momento de fazer eutanásia?


Há momentos em que a família pede eutanásia, dizendo que "não aguenta mais ver seu pet sofrer". É um momento muito triste, mas também de muita delicadeza. A eutanásia é um procedimento real e bem indicado quando é usada como um ato de amor, para aliviar um sofrimento que não podemos aliviar de outra forma, quando tudo já se foi tentado e nada adiantou para dar conforto aquele nosso amigo peludo. Por outro lado, penso não ser justo tirar a vida de um animal, que até então está bem, para aliviar o sofrimento emocional de outro ser, nesse caso, da família.


Se o paciente ainda está bem, livre de dor ou com dor controlada, comendo, bebendo, fazendo suas necessidades e leva uma vida relativamente tranquila, deixemo-lo assim até que São Francisco decida que precisa de mais um peludo em seu jardim celeste. Muitas vezes ele fica assim até o dia que "a bateria acaba", e a morte ocorre de maneira tranquila. Se não for dessa forma tenha certeza de que ele mesmo irá sinalizar que está chegando o momento, e o veterinário oncologista deve ser a pessoa capacitada para ajudar a família a identificar esse momento.


Se houver necessidade de um apoio psicológico, vá em frente. Não vejo problema algum nisso, aliás recomendo. Aos poucos o preconceito em se buscar auxílio terapêutico para uma família que lida com uma doença grave em seu pet vem sendo quebrado, e ter um profissional que lhe ajude a tomar decisões num momento tão difícil é benéfico não só a você mas ao maior interessado: nosso paciente. Independente de qual caminho decidir tomar, o importante é sempre ter em foco que, não importa o que aconteça, nosso principal objetivo é conforto e qualidade de vida aquele amigo que sempre esteve ao nosso lado nos momentos mais importantes da nossa vida.


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